A (i)legalidade do Lulu

Por André de O.S Moreira*

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Recentemente eu fui convidado por um colega a participar de uma aula do curso de ciência da computação, onde participaria de discussões sobre cases criados pelos próprios alunos com algum teor jurídico. Foi então que uma pergunta, fora da atividade planejada, tornou-se a maior discussão do dia: “O que o aplicativo Lulu faz é permitido?”.

No mesmo momento comecei a rir, pois nos últimos 3 dias já havia escutado a mesma pergunta de diferentes pessoas, alguns irritados com a nota que possuíam, outros já querendo entrar com um processo por dano moral e alguns poucos simplesmente querendo entender os fundamentos legais por trás disso tudo.

Como bom advogado que sou, respondi àquela pergunta dizendo que tudo depende.

Depende do objetivo da pessoa que queira adotar alguma medida contra o tal Lulu. Os perfis existentes no aplicativo são obtidos do Facebook, que possui extensos e muito bem amarrados “Termos de Uso”. Lá está previsto que alguns dos dados colocados na sua plataforma são consideradas públicos (“Your name, profile pictures, cover photos, gender, networks, username and User ID are treated just like information you choose to make public.”) e passíveis de uso pelo Facebook e seus parceiros (“We use the information we receive about you in connection with the services and features we provide to you and other users like your friends, our partners, the advertisers that purchase ads on the site, and the developers that build the games, applications, and websites you use”.).

Ou seja, ainda que discutível, existe uma autorização concedida.

Com relação ao uso do nome e da imagem, direitos fundamentais do homem e de sua personalidade, muitos dirão: são invioláveis, mesmo aceitando os termos do Facebook eles não poderiam fazer isso. Penso que não. Se aprendi uma coisa no direito foi de que tudo precisa de uma ponderação (por isso que tudo depende).

Nosso Código Civil, por exemplo, determina que o nome e a imagem de uma pessoa jamais poderão ser utilizados de forma a afetar a sua honra e respeitabilidade, assim como determina que, exceto se autorizado, tal uso também não pode ser destinado a fins comerciais.

É previsto, ainda, que qualquer um possui o direito de proibir o uso e divulgação de seu nome e imagem, o que, em uma análise inversa, nos faz pensar que se a lei confere o direito de proibir, o estado natural seria o de uso permitido, certo?

No caso específico do Lulu, lembro que há uma autorização (ainda que existente em um contrato de adesão do Facebook), o que me leva a pensar, em um primeiro momento, que o fato do Lulu disponibilizar os perfis públicos obtidos não seria um ilícito em si, sem contar que o aplicativo permite a qualquer um a retirada de seu perfil, tal como determina nosso Código Civil. Contudo, a questão não termina aqui.

As atividades de determinar uma nota para a pessoa e de definir alguns hashtags para caracterizar as aptidões do homem avaliado, feitas no anonimato, começam a ultrapassar a “boa” liberdade e podem invadir o terreno da respeitabilidade e honra, sendo que aqui, sim, a violação começa a ficar mais explícita. Ainda que a liberdade de expressão seja outro direito fundamental do homem, o anonimato no exercício dela é plenamente vedado por nossa Constituição.

Além disso, fere os direitos de personalidade a publicação de informações que possam causar algum incômodo (sem a autorização), o que é sem dúvida agravado pelo anominato que o aplicativo confere as sua avaliadoras. Em minha visão, este é um dos principais argumentos para a responsabilização do Lulu por eventual dano causado a alguém por meio de seu serviço, ensejando na possibilidade de obter uma indenização.

Enquanto o Brasil não tem um lei específica para tratar das relações civis na internet (o Marco Civil  ainda não foi votado), a única coisa que posso falar para vocês, além de “depende”, é que a liberdade é sem dúvida um dos bems mais valiosos da vida, especialmente da vida na internet. Por isso, devemos sempre ter em mente que são os exageros dessa liberdade que devem ser repelidos por nosso direito – e não a própria.

* André de O. S. Moreira é advogado atuante nas áreas da Propriedade Intelectual, Direito Digital e Direito Internacional, fundador da Oscorp Marcas Patentes, membro da Comissão Especial de Propriedade Intelectual da OAB/RS e Professor na Escola 4ED de Design.